O Evangelho como Fundamento da Criação de Filhos

Guilherme K. Jaunzemis

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A tarefa de criar filhos é, sem dúvida, uma das mais desafiadoras e gratificantes que os pais podem realizar. Em meio às complexidades da vida moderna, aos muitos conselhos divergentes e às pressões culturais, muitos pais têm buscado um alicerce sólido para guiar suas famílias.

Esse alicerce não pode ser encontrado em simples técnicas pedagógicas ou de coaching, em filosofias humanas passageiras ou até mesmo em influencers. O verdadeiro fundamento para uma criação de filhos eficaz e significativa reside no evangelho. É a história do Evangelho que molda nossa compreensão de quem somos, de quem nossos filhos são e de qual é o nosso papel como pais no grande plano de Deus, afinal “qual história uma pessoa vive faz uma enorme diferença em como ela interpreta os acontecimentos na vida”. Longe de ser apenas um conjunto de regras morais, o evangelho é a boa notícia que transforma corações, restaura relacionamentos e capacita pais e filhos a viverem para a glória de Deus.

A Narrativa do Evangelho e a Criação de Filhos

Para compreendermos a criação de filhos sob a ótica do evangelho, precisamos primeiramente mergulhar na grande história que Deus está contando. “A Bíblia apresenta uma história que é a verdadeira história de todo o mundo...a fé em Jesus deve ser o meio pelo qual um cristão tenta entender toda a vida e a totalidade da história”.

Uma coisa é aceitar a Bíblia como Palavra de Deus, mas outra coisa é saber como entender a Bíblia de forma que ela influencie todas as áreas da nossa vida, que inclui a nossa família. Essa história, a narrativa do evangelho, é composta por quatro atos principais que nos fornecem a lente correta para enxergar nossos filhos e nossa responsabilidade para com eles.

Criação: Filhos Feitos à Imagem de Deus

O primeiro ato da narrativa é a Criação. Gênesis 1:27 nos revela que "criou Deus o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou". Nossos filhos, desde o momento de sua concepção, são portadores da imagem de Deus. Isso significa que eles possuem dignidade intrínseca, valor inestimável e um propósito divino de refletir e representar o Deus Criador. Eles não são simples projetos pessoais, extensões de nossos egos ou tábuas em branco a serem preenchidas com nossas ambições. São seres humanos criados para se relacionar com Deus, para refletir Sua glória e para exercer domínio sobre a criação de forma responsável.

Essa verdade fundamental deve moldar nossa atitude para com eles. Devemos tratá-los com respeito, reconhecendo a imagem de Deusa que neles reside, ainda que distorcida pelo pecado (próximo ato). A criação de filhos, nesta perspectiva, é um santo privilégio de resgatar a imagem de Deus em nossos filhos, direcionando-os para Cristo e para o propósito para o qual ele também foram criados.

Queda: a imagem distorcida

O segundo ato, e talvez o mais doloroso, é a Queda. Romanos 3:23 declara: "pois todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus". O pecado entrou no mundo quando Adão e Eva, por um ato de rebeldia e incredulidade, desobedecem a ordem clara de Deus de não comer do fruto proibido.

Por mais que amemos nossos filhos e os vejamos com olhos de carinho, a verdade bíblica inegável é que eles nascem em um estado de pecado. O Salmo 51:5 afirma: "Eis que nasci em iniquidade, e em pecado me concebeu minha mãe". Isso não significa que eles não são capazes de fazer algum bem, mas que possuem uma natureza caída e inclinada para o pecado, egoísmo, a desobediência e a separação de Deus. Eles são, por natureza, "filhos da ira" (Efésios 2:3).

A imagem de Deus não foi perdida, mas danificada. Como um espelho sujo ou quebrado que continua a refletir, porém de forma deturpada.

Essa compreensão é crucial para uma criação de filhos fundamentada no evangelho. Ela nos impede de idealizar nossos filhos ou de nos surpreendermos com suas falhas e desobediências. Em vez de ver seus erros como meros caprichos ou problemas de comportamento a serem corrigidos superficialmente, o evangelho nos capacita a enxergá-los como sintomas de uma condição mais profunda: a necessidade de um Salvador. Nossos filhos não precisam apenas de regras e disciplina; eles precisam de graça, de perdão e de um novo coração. Essa perspectiva nos leva à humildade e à dependência de Deus, pois sabemos que não podemos, por nós mesmos, mudar o coração de nossos filhos.

Redenção: a imagem restaurada

O terceiro e mais glorioso ato é a Redenção. João 3:16 resume a essência do evangelho: "Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna". O evangelho nos revela que, apesar da Queda, Deus, em Seu infinito amor, providenciou um caminho de restauração através de Seu Filho, Jesus Cristo. Ele viveu uma vida perfeita, morreu na cruz pelos nossos pecados e ressuscitou, oferecendo perdão, justificação e vida eterna a todos os que creem.

Como pais, nosso papel primordial não é apenas ensinar moralidade ou bons modos, mas apontar nossos filhos para Cristo. Somos chamados a pregar o evangelho primeiro em nosso lar, compartilhando a boa notícia de salvação em Jesus. Isso significa:

  • Compartilhar a história do evangelho: Contar repetidamente a história de Jesus, Sua vida, morte e ressurreição, de forma clara e compreensível.

  • Pregar o arrependimento e a fé: Mostrar a eles que nós mesmos somos pecadores que dependem da graça de Cristo, confessando nossos próprios pecados e falhas e sempre buscando o perdão de Deus e uns dos outros.

  • Orar pela conversão de seus corações: Reconhecer que a fé é um dom de Deus e clamar para que o Espírito Santo opere em seus corações, levando-os ao arrependimento e à fé salvadora.

  • Ensinar a suficiência de Cristo: Mostrar que em Jesus encontramos tudo o que precisamos para a vida e a piedade, e que Ele é a resposta para a nossa natureza pecaminosa e para os desafios da vida.

Consumação: imagem glorificada

O quarto e último ato é a Consumação. A Bíblia aponta para um futuro onde Cristo retornará para estabelecer plenamente Seu Reino, onde não haverá mais pecado, dor ou morte (Apocalipse 21:4). Nossos filhos estão a caminho da eternidade, e nossa criação de filhos deve ser vivida com essa perspectiva em mente. Não estamos apenas criando cidadãos terrenos, mas cidadãos do Reino Celestial..

Essa visão nos impulsiona a priorizar o que é eterno. As preocupações com o sucesso acadêmico, profissional ou social são importantes, mas devem ser secundárias à formação espiritual e ao desenvolvimento de um relacionamento genuíno com Deus. A Consumação nos lembra que a vida presente é passageira e que o maior presente que podemos dar aos nossos filhos é ajudá-los a conhecer e amar o Deus que os criou e os redimiu, preparando-os para a vida eterna com Ele.

O Papel dos Pais: Agentes da Graça de Deus

Compreender a narrativa do evangelho não apenas molda nossa visão sobre quem nossos filhos são, mas também redefine radicalmente nosso papel como pais. Longe de sermos meros disciplinadores, provedores ou educadores de moral, o evangelho nos chama a ser agentes da graça de Deus na vida de nossos filhos. Isso significa que nosso papel como pais é um ministério, uma extensão do amor e da verdade de Cristo em nosso lar.

Não Somos Salvadores, Mas apontamos para o Salvador. É uma tentação comum para os pais tentar ser o salvador de seus filhos. Queremos protegê-los de todo mal, resolver todos os seus problemas e garantir que eles sigam o caminho certo. No entanto, o evangelho nos lembra que há apenas um Salvador, Jesus Cristo. Nosso papel não é salvar nossos filhos, mas apontá-los consistentemente para Aquele que pode salvá-los. Isso nos liberta da pressão de ter que ser perfeitos e nos permite ser pais falhos, mas graciosos, que dependem da obra de Cristo.

Como agentes da graça, devemos:

  • Mostrar a graça: Nossos filhos precisam ver a graça em ação em nossas vidas. Isso significa perdoar quando eles erram, estender misericórdia quando merecem punição (sem anular a disciplina), e demonstrar o amor incondicional de Deus, mesmo quando eles nos decepcionam. A graça não é permissividade, mas o amor que busca o bem maior do outro, mesmo que isso envolva correção dolorosa.

  • Falar a verdade em amor: A verdade do evangelho deve ser comunicada com amor e paciência. Isso implica em ter conversas difíceis sobre pecado, arrependimento e as consequências de suas escolhas, mas sempre com a esperança e a promessa da redenção em Cristo.

  • Apontar para a cruz: Em cada falha, em cada sucesso, em cada desafio, devemos ter a sabedoria de conectar a experiência de nossos filhos com a obra de Cristo na cruz. Quando eles pecam, apontamos para o perdão disponível em Jesus. Quando eles lutam, apontamos para a força que vem d'Ele. Quando eles triunfam, apontamos para a glória de Deus que lhes deu a capacidade.

Dependência de Cristo e do Espírito Santo

Dependemos inteiramente da obra de Cristo e do poder do Espírito Santo para cumprir nosso chamado na criação dos nossos filhos. Filipenses 2:13 nos lembra: "porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade."

Essa dependência se manifesta de várias formas:

  1. Dependência da Obra de Cristo: Nossa capacidade de amar, disciplinar, ensinar e guiar nossos filhos não vem de nossa própria força ou sabedoria, mas da obra consumada de Cristo em nós. É a Sua justiça que nos torna aceitáveis diante de Deus, e é o Seu poder que nos capacita a viver uma vida que O honra. Quando falhamos (e falharemos!), é para a cruz de Cristo que corremos, buscando perdão e renovação. É a partir dessa fonte inesgotável de graça que podemos, por sua vez, derramar graça sobre nossos filhos.

  2. Dependência do Poder do Espírito Santo: A transformação do coração de nossos filhos é obra exclusiva do Espírito Santo. Não podemos forçar a fé, a santidade ou o arrependimento. Nosso papel é semear a Palavra, orar, modelar e criar um ambiente propício para que o Espírito atue. Gálatas 5:22-23 descreve o fruto do Espírito (amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio) – são essas qualidades que buscamos cultivar em nossos filhos, e elas só podem ser produzidas pelo Espírito Santo em suas vidas e nas nossas. Oramos para que o Espírito:

  • Convença do pecado: Que Ele revele a eles sua necessidade de um Salvador.

  • Conduza ao arrependimento e à fé: Que Ele os leve a crer em Jesus como Senhor e Salvador.

  • Santifique-os: Que Ele os transforme à imagem de Cristo, produzindo neles o fruto da justiça.

Essa parceria de dependência nos liberta da ansiedade e do perfeccionismo. Não somos responsáveis pelos resultados finais, pois a salvação e a santificação são obras de Deus. Somos responsáveis pela fidelidade em nosso chamado, confiando que Deus é soberano e fiel para cumprir Seus propósitos em Seus filhos, através de nós. É um convite a descansar na suficiência de Cristo e no poder do Espírito, sabendo que a criação de filhos é, em última análise, um projeto divino, e não apenas humano.

Criação de Filhos Enraizada no Evangelho

A criação de filhos, quando fundamentada no evangelho, transcende a mera transmissão de valores ou a imposição de regras. Torna-se um ministério de graça, um convite constante para que nossos filhos experimentem a beleza e o poder transformador de Jesus Cristo. Ao compreendermos a narrativa da criação, queda, redenção e consumação, somos equipados com a lente correta para enxergar nossos filhos como pecadores necessitados de graça e a nós mesmos como agentes dessa graça.

Não é sobre nossa performance perfeita, mas sobre a suficiência de Cristo. Não é sobre nossa capacidade de mudar corações, mas sobre a dependência do poder do Espírito Santo. É um chamado para apontar nossos filhos para o único Salvador, para modelar a graça que recebemos e para descansar na soberania de Deus, que é fiel para completar a boa obra que começou em nós e em nossos filhos.

Que a verdade do evangelho seja o solo fértil onde a fé de nossos filhos floresça, e que nossas famílias sejam lares onde a boa notícia de Jesus Cristo é vivida, celebrada e transmitida de geração em geração, para a glória de Deus.